Violência doméstica contra a mulher no isolamento social.
O refúgio e conforto do lar é justamente o local mais perigoso para mulheres que sofrem com a agressividade de seus parceiros.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomendou a quarentena como forma de conter o avanço do coronavírus. Não bastasse o próprio isolamento social, as mulheres ainda têm de lidar com as agressões domésticas.
Segundo a ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH), do Ministério da Mulher, que por meio do canal 180 recebe as denúncias em questão, houve um aumento de 9% de ligações e do aumento das prisões em flagrante por violência contra a mulher, bem como de solicitações de medidas protetivas de urgência. Assim, o aumento da incidência da violência doméstica contra a mulher em tempos de isolamento social está em torno de 18%.
Vale destacar que certamente esses números não refletem a realidade das agressões em tempos de isolamento social que estamos vivendo, haja vista que a mulher por estar confinada com seu agressor pode se sentir acuada e, muitas vezes, acabar não denunciando.
O aumento desse tipo de violência durante a quarentena escancara a problemática vivenciada em diversos lares brasileiros, demostrando que a casa, supostamente o porto seguro da família, muitas vezes é o cenário de agressões e mortes, não só contra a mulher, mas de toda a família, a exemplo das crianças e dos idosos que por muitas vezes presenciam e sofrem também diversos tipos de violência.
Desse modo, estar confinado tem sido um desafio ainda maior para os grupos mais vulneráveis, em especial para as mulheres que para sobreviver driblam diariamente as dificuldades impostas pelos fatores sociais aos quais estão inseridas, suportando não só a violência física, mas a violência moral, psicológica, sexual e até financeira. Sentem-se encarceradas sob a vigilância e violência 24 horas por dia.
Os reflexos desses fatores são mais perversos em relação às mulheres negras, periféricas e transexuais que, por serem condicionadas a um cruzamento de sistemas discriminatórios sobre a raça, gênero e classe social, estão em situações ainda mais vulneráveis, sendo desrespeitadas, humilhadas, violentadas e mortas dentro de sua própria casa.
Quando falamos do aumento da violência doméstica contra a mulher durante a quarentena, não podemos deixar de destacar os altos índices desse tipo de violência preexistente no Brasil e que esse é um problema histórico e cultural na vida dessas mulheres. Sendo assim, o isolamento social é mais um agravante da violência doméstica contra a mulher, e não a causa principal.
Geralmente os agressores são seus companheiros e/ou namorados que, com a imposição do isolamento social, estão ainda mais presentes, confinados no mesmo ambiente, com sua liberdade de ir e vir limitada, impostos a uma rotina, a uma crise financeira e possível desemprego, condicionados indubitavelmente a uma situação de maior estresse emocional e psicológico. Tudo isso somado ao machismo e à cultura do patriarcado proporcionam comportamentos violentos. Dessa maneira, o confinamento intensificou um problema preexistente, a violência doméstica contra a mulher.
Diante desse quadro de vulnerabilidade em que a mulher está exposta, destaco que uma das armas mais importante no combate à violência doméstica contra a mulher é a denúncia. É importante denunciar, buscar ajuda. É importante quebrar o ciclo de violência e essa luta é uma luta coletiva. É importante que essa mulher saiba que não está sozinha. Assim, uma rede de apoio formada por amigos, familiares e vizinhos pode fazer toda a diferença. Através da denúncia, as autoridades tomam ciência do fato e podem promover medidas necessárias para coibir a violência e evitar o feminicídio
Oportuno, portanto, expor à relevância, uma das ferramentas mais importantes na luta em combate a violência doméstica contra a mulher que é a Lei 11.340/2006, a Lei Maria da Penha, criada com o objetivo de prevenir, punir, e erradicar a violência contra a mulher. A lei estabelece que todo o caso de violência doméstica e intrafamiliar é crime e deve ser apurado através de inquérito policial a ser remetido ao Ministério Público.
Destaco que qualquer pessoa pode fazer a denúncia: a própria mulher, vizinhos, parentes ou quem estiver presenciando, ouvindo ou que tenha conhecimento do fato.
Sabemos que a Organização Mundial de Saúde (OMS) e diversas autoridades de saúde nacionais e internacionais têm recomendado o isolamento social como forma mais eficaz para conter o avanço do vírus. No entanto, diante do aumento desacerbado das violências domésticas contra a mulher, a OMS passou a demonstrar maior preocupação com as agressões sofridas pelas mulheres durante a pandemia do covid-19, pedindo que os países considerassem os serviços de combate à violência doméstica como serviço essencial, devendo ser mantido durante todo o período de confinamento.
No Brasil algumas medidas foram tomadas, a exemplo do judiciário que, mesmo com os prazos suspensos, continua trabalhando e prestando atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica, por meio de plantões judiciários e concessão de medidas de proteção à mulher, prevista na lei Maria da Penha. Outras medidas importantes são promovidas por coletivos de feministas como o TamoJuntas, coletivos de Advogadas negras, Comissão de Promoção da Igualdade Racial da OAB Bahia, Comissão da Mulher Advogada da OAB Bahia, dentre outras instituições, ou seja, toda uma rede de enfrentamento à violência contra a mulher.
Nesse sentido, faz-se necessário a divulgação dos canais de atendimento e acolhimento, para que as denúncias continuem e as mulheres tenham acesso à Justiça. Os casos de violência ou assédio devem ser comunicados a qualquer hora do dia ou da noite, pelo telefone 190 (Polícia Militar). Para os casos não emergenciais o telefone recomendado é o disque 180 (Central de Atendimento à Mulher) ou o disque 100 (Disque Direitos Humanos). As Delegacias de Mulheres realizam flagrantes e descumprimentos de medidas protetivas presencialmente, 24 horas por dia. Também é possível registrar o boletim de ocorrência pela internet. O atendimento na Defensoria Pública acontece por meio do Disque 129. O Ministério Público da Bahia atende através do número 0800 642 4577.
Em vista disso, é importante que a mulher ou qualquer pessoa que estiver presenciando, ouvindo ou que tenha conhecimento da violência doméstica contra a mulher durante o isolamento social, entenda que a recomendação de ficar em casa como forma de evitar proliferação da covid-19, não significa submeter-se ou calar-se diante da violência. É necessário que essa mulher saiba que não está sozinha e que pode contar com uma rede de apoio e, ante a qualquer suspeita ou ameaça de violência ou assédio, denuncie.
Não tolere a agressão! Violência contra a mulher é crime. Denuncie!
Helenice Santos
Advogada, Pós-graduanda em ciências criminais, aluna especial mestrado PPGEAFIN - UNEB, Membra da Comissão de Promoção da Igualdade Racial - CPIR OAB/BA.