Covid-19 terá maior impacto na periferia.

Especialista faz alerta para ação do pode público

Covid-19 terá maior impacto na periferia.
Foto: Portal Pau da Lima

Doutora em saúde pública, a pesquisadora Emanuelle Góes, do Cidacs-Fiocruz, afirma que o Brasil retornará à “estaca zero” caso ocorra relaxamento das medidas de isolamento social, com maior impacto para os setores mais vulneráveis da população, que têm maior dificuldade de acesso aos serviços de saúde, sobretudo os hospitais.

O isolamento social adotado foi efetivo em alguma medida e chegou a retardar a chegada do vírus às periferias?

Em certa medida sim, considerando que o vírus chegou ao Brasil por meio da classe média. Poderíamos ter retardado ou achatado mais a curva, se as pessoas que vieram de fora do país cumprissem a quarentena como preconizam as medidas sanitárias, evitando contato com outras pessoas. Para isso, era preciso dispensar funcionários e funcionárias de serviços domésticos, assim como se afastar das suas atividades profissionais, principalmente aquelas com atuação no campo da saúde e da educação.

Qual o cenário para os próximos meses no Brasil, com o possível relaxamento dessas medidas pelos governos?

Com o relaxamento, voltaremos à estaca zero, porque ainda não temos um cenário favorável de controle da pandemia nem temos testes suficientes. Consequentemente, temos subnotificação dos casos. Se houver relaxamento, serão as populações vulneráveis as que sofrerão as consequências, dado serem aquelas que têm maior dificuldade de acesso aos serviços de saúde, sobretudo os hospitais.

Conforme boletim epidemiológico do Ministério da Saúde do dia 20 de abril, 65,1% das hospitalizações por síndrome respiratória aguda grave (SRAG) ocorreram entre brancos. O que esses números revelam?

Precisamos de dados mais consolidados para afirmar as disparidades raciais entre negros e brancos. Em cenários anteriores, como no caso do zika vírus, a epidemia atinge muito mais as pessoas negras, principalmente as mulheres negras. Ou mesmo doenças consideradas negligenciadas, como sífilis e tuberculose, onde a proporção é maior entre a população negra. São doenças que têm relação coma pobreza e com o racismo institucional.

O documento também aponta a relação de óbitos entre brancos, pardos e pretos, sinalizando que a doença se mostra mais mortífera entre pardos e pretos. Que fatores explicam isso?

Se consideramos que a população negra está mais exposta às morbidades elencadas para grupo de risco, como hipertensão, diabetes, obesidade e câncer, já seria o suficiente. No entanto, a população negra, além de apresentar uma maior prevalência desses agravos crônicos, está exposta antes de tudo ao racismo institucional, que vai funcionar como uma barreira no acesso aos serviços de saúde, desde a procura pelo serviço até o momento do cuidado na unidade. Consequentemente, o resultado será esse: uma maior letalidade para as pessoas negras. Mas vale destacar que os dados sobre o quesito cor ainda são insuficientes para análises mais profundas e consistentes dos fatos.

Como avalia as estratégias adotadas até então na Bahia e em Salvador em relação às camadas economicamente mais vulneráveis da população?

As medidas em relação ao isolamento social, distanciamento, com fechamento de espaços públicos e de se evitar a concentração de pessoas têm sido eficientes. Mas são medidas universais e temos demandas específicas para determinados grupos, e que são questões estruturais que se associam à pandemia. O estado e o município têm sido pouco efetivos em relação a isso, porque sempre foram omissos. As periferias são marcadas por grande adensamento urbano, aglomeração domiciliar, saneamento básico inadequado. A chegada do período chuvoso é uma ameaça, além dos outros agravos que se somam à pandemia, como é ocaso da dengue, zika e chikungunya. Situações das pessoas que vivem e sobrevivem nas ruas, assim como as que estão nos presídios superlotados, sem acesso a serviços de saúde adequado, são questões que os gestores nunca resolveram e a pandemia tende a piorar esse cenário, se as ações não forem efetivas.

Quais são as dificuldades adicionais, numa cidade como Salvador, no combate à propagação do coronavírus?

Salvador é uma cidade extremamente desigual em termos econômicos e estruturais, influenciando a propagação do coronavírus. A adoção de medidas preconizadas pela OMS no combate à pandemia – como a higienização das mãos e o distanciamento social –, para muitas das famílias residentes em bairros com alta densidade populacional e de domicílios, é difícil ou muitas vezes impossível de ser implementada.

Um estudo do grupo GeoCombate Covid-19 BA aponta os bairros do Tororó, Vila Canária, Santa Cruz, Pirajá, Nova Constituinte, Santa Luzia, Boa Vista de São Caetano e Sussuarana como aqueles com maior risco de contágio. Pelo balanço dos casos notificados pela Secretaria Municipal da Saúde, a maioria dessas localidades têm poucos casos registrados até então. Como convencer a população da necessidade das medidas de isolamento quando, para muitos, a realidade das mortes por Covid-19 ainda parece algo distante?

Difícil. Os bairros periféricos são violentados diariamente e há uma ausência de direitos básicos, como os já citados. É preciso conscientizar as comunidades periféricas e vulneráveis de que a pandemia do novo coronavírus vai se interseccionar com as outras situações desfavoráveis de violências e doenças, aprofundando as desigualdades e aumentando as mortes, por essa e outras causas, nas suas comunidades.

Fonte: http://coronavirus.atarde.com.br/covid-19-tera-maior-impacto-na-periferia/